Caro leitor,
Até 31 de janeiro de 2020, a Grã-Bretanha terá consumado o Brexit. E com certeza para sempre, tal como aconteceu com a libra esterlina, que não foi extinta e substituída pelo euro, ao contrário do marco alemão, do franco francês, da lira italiana, da peseta espanhola, do escudo português e de outras moedas da Comunidade Europeia (CE).
No final do primeiro trimestre de 2016, o primeiro-ministro David Cameron, querendo aumentar sua força política, convocou um referendo para ver se os eleitores da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte queriam permanecer na CE.
Para decepção de Cameron, que julgava que o Brexit seria facilmente derrotado, deu zebra: 51,9% aprovaram a saída da Grã-Bretanha da Comunidade, contra 48,1% que preferiam manter o status quo.
Como a diferença foi pequena, iniciou-se uma crise, tal como sempre acontece quando o resultado de uma eleição é apertado. Os contrariados com a derrota alegaram que os eleitores favoráveis ao Brexit eram jovens e que, como o voto lá é facultativo, não compareceram às urnas, por pura preguiça e desleixo.
Só que democracia é democracia e a vontade do povo tem de ser respeitada.
Tão logo soube do resultado, David Cameron renunciou ao cargo de primeiro-ministro, assumindo em seu lugar a nova líder dos tories, Theresa May.
Tudo que ela tentou fazer deu errado. Não conseguiu se entender com a liderança da Comunidade e perdeu quase todas as propostas que submeteu à Casa dos Comuns. Tal como Cameron, Theresa acabou renunciando e cedendo lugar ao extravagante Boris Johnson, xenófobo, nacionalista e aliado de Donald Trump.
Johnson imediatamente convocou eleições gerais. O resultado não deixou dúvida. Os conservadores obtiveram 365 cadeiras, ou seja 56,2% do total. Não precisam, portanto, fazer coalizão com ninguém para governar. A vitória foi de balaiada, landslide como se diz em inglês.
De 31 de janeiro até o final do ano, Johnson terá de negociar com o Parlamento Europeu uma saída que seja boa (ou pelo menos aceitável) para os dois lados. As alíquotas das tarifas aduaneiras terão de ser discutidas, assim como discutida a situação dos nacionais da CE que moram e trabalham na Grã-Bretanha e dos britânicos que moram e trabalham no continente.
Acho que uma minuta de acordo já está alinhavada e que tudo dará certo. Suponho que as tarifas serão pequenas e que os (agora imigrantes) europeus poderão continuar no Reino Unido e os britânicos na Europa.
O grande risco é o parlamento escocês convocar um plebiscito de independência e se separar da Inglaterra. Nesse caso, a situação das duas ilhas, Grã-Bretanha e Irlanda, se tornará uma mixórdia.
Imaginemos a Escócia independente, conseguindo se manter na Comunidade Europeia. Teremos a seguinte situação:
Na ilha maior, a leste, haverá Brexit ao sul e CE (Escócia) ao norte. Na menor, a oeste, Brexit no norte e Comunidade (como já é a República da Irlanda) ao sul.
Fronteiras e postos aduaneiros terão de ser construídos. Mesmo assim, nas duas ilhas (Irlanda e Grã-Bretanha) o contrabando vai imperar solto. Nessa hipótese, o Brexit será um fracasso.
O Império Britânico, aquele no qual o sol nunca se punha, vai se tornar quase um principado.
A libra esterlina, que já foi a moeda dominante no mundo, se tornará menos importante, muito menos importante.
Tudo isso dependerá da vontade dos escoceses. Fora a hipótese, improvável, mas não impossível, de as duas Irlandas esquecerem suas desavenças religiosas (que já diminuíram muito nos últimos anos) e se unirem sob uma só bandeira e um sistema republicano, pertencente à Comunidade Europeia.
Um desfecho melancólico para o reinado de quase 70 anos de Elizabeth II.
Um abraço,
Ivan Sant'Anna